O modelo de moradia compartilhada atrai brasileiros em busca de qualidade de vida e convivência comunitária
São Paulo, SP - Se coworking foi uma expressão que pegou no Brasil, cohousing muito provavelmente há de pegar. Enquanto a primeira é um espaço compartilhado para trabalhar, com as pessoas dividindo mesas, acesso à internet e sala de reunião, a segunda é um espaço para morar em conjunto. Mas com um pormenor: cada cohouser tem a sua casa. O que se compartilha é o convívio em torno de áreas comuns, onde as pessoas podem se reunir e fortalecer relacionamentos com os vizinhos.
O termo foi cunhado pelo arquiteto americano Charles “Chuck” Durrett em 1985 após ele estudar a fundo o modelo na Dinamarca, onde viveu por dois anos. Durrett levou a proposta para a América do Norte e a coisa cresceu. Ele já publicou 16 livros sobre o assunto - o mais famoso deles é Cohousing: A Contemporary Approach to Housing Ourselves (“Cohousing: Uma abordagem contemporânea para a nossa própria habitação”, ainda sem tradução no Brasil). Também projetou mais de 55 dessas comunidades e inspirou outras tantas, que ao final são planejadas e administradas pelos próprios moradores.
O termo há de pegar no País porque, embora a cohousing seja uma proposta multigeracional, ela ficou mais famosa entre grupos de idosos - e o Brasil envelhece a olhos vistos. O País deve fechar o ano com cerca de 33 milhões de pessoas com 60 anos ou mais, enquanto sua taxa de fecundidade desce numa ladeira demográfica.
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2024, nossa taxa é de 1,6 filho por brasileira, índice igual ao dos Estados Unidos e muito próximo aos da Alemanha (1,4), Dinamarca (1,5) e da França (1,7). E pensar que, em 1960, o índice era de 6,28 filhos, chegando a 8,56 na região Norte.
Cresce a ideia no Brasil
Por enquanto, são poucas as iniciativas de cohousing no país. A mais adiantada talvez seja a Vila Puri, localizada no Brejal, a 31 quilômetros do centro de Petrópolis (RJ). São cerca de 100 mil metros quadrados numa paisagem rural montanhosa, cercada de Mata Atlântica e extensas plantações de orgânicos. As primeiras das 18 casas previstas já estão saindo do papel.
As moradias são de diferentes metros quadrados - 64, 77 e 90. Existe, entretanto, a possibilidade da construção de casas menores, geminadas, a depender do interesse de novos associados. A planta da Casa Comum, personagem central das cohousings, prevê piscina com bar, sauna, sala de ginástica, salas de estar e jantar, cozinha integrada e duas varandas cobertas. Fala-se em “associados” porque existe uma associação por trás da proposta, a Associação de Moradores Vila Puri.
Ela foi criada em 2021 por um grupo de interessados em viver em comunidade, mas sem perder a autonomia e a privacidade, que vinham se falando desde 2018. O marco inicial foi um workshop sobre cohousing realizado no Rio de Janeiro pela arquiteta Lilian Lubochinski.
Pessoa jurídica de direito privado, a associação é a única proprietária de todo o empreendimento, incluindo o terreno, as construções, a infraestrutura, as áreas de uso comum e as unidades vinculadas. Ali está discriminado que os associados adquirem o direito de usufruir de todos os benefícios da propriedade comum e de utilizar os serviços promovidos pela Vila Puri por meio da compra de uma cota patrimonial, cujo valor final corresponde ao total de aportes financeiros feitos por cada associado, desde a sua adesão à Vila Puri até a conclusão da edificação da cohousing.
O custo estimado por cota varia entre R$ 700.000 e R$ 900.000. “A cota garante a estabilidade da comunidade”, afirma Ana Cristina, na perspectiva de que não se trata de um empreendimento imobiliário comum. Ou seja, o terreno ou a própria casa não podem ser vendidos livremente. A cota pode ser transferida a herdeiros, que podem ou não se interessar em morar na comunidade. Caso não se interessem, a associação intermediará a venda da cota, e o herdeiro receberá o dinheiro.
Tudo na tentativa de preservar a filosofia-mor da proposta da Vila Puri: a sociocracia. “Na sociocracia, os processos de tomada de decisão são feitos por consentimento/objeção, sempre pensando na comunidade”, explica Ana Cristina. Primeiro, as informações sobre o tema que será levado a debate têm de circular com transparência. Depois, pelo princípio da equivalência, todos têm o direito a objetar. “Mas tem de haver eficácia, senão a gente vai discutir até o fim dos tempos e não se resolve nada”, ressalva a psicóloga.
A sociocracia foi ferramenta para decidir, por exemplo, como seria a convivência com os pets, os critérios para a escolha do caseiro e até a pintura das casas. “Decidimos que a cor da fachada externa seria igual para todas as unidades e cada um pintaria internamente como quisesse, porque tudo está sendo construído ao mesmo tempo e isso baratearia a compra do material.”
A opção pela instalação de placas para captação de energia solar, pela compra de botijões de gás individuais e pela perfuração de um poço que garantisse água abundante e de boa qualidade também passou pelo debate em torno da economia e da sustentabilidade.
Perfil dos moradores
O perfil dos futuros moradores da Puri é diverso. Atualmente, há 10 cotistas associados, sendo dois casais e 8 mulheres solteiras (cada casal representa uma cota). Todos possuem nível superior, em áreas que vão da psicologia à análise de sistemas, e a maioria já residiu fora do Rio, seja no exterior ou em outros Estados.
Embora apareçam jovens adultos entre os “candidatos” a cotistas, prevalece a faixa etária entre os 60 e 80, o que parece compreensível para um lugar mais distante dos grandes centros urbanos. Não ter uma variedade de escolas por perto afastaria, a priori, os casais com filhos.
A cohousing Vila Puri criou a figura do membro provisório para pessoas que desejam conviver com a comunidade participando, por exemplo, dos grupos de trabalho. Assim, decidem se os arranjos social e local são adequados para a vida delas, sem ainda contrair um laço mais “oficial” com a proposta.
Na Bem Viver, cohousing instituída na cidade de Mogi das Cruzes, interior de São Paulo, o gráfico etário é bem semelhante. A grande maioria das 47 pessoas do grupo, que se acomodarão em 28 casas, têm entre 61 e 80 anos de idade. Os idealizadores do projeto são o casal Norival de Oliveira, economista de 62 anos, e Ricardo Pessoa Gomes, arquiteto de 63. Praticantes de danças circulares, eles tomaram contato pela primeira vez com a ideia de cohousing quando viajaram em 2013 para a ecovila de Findhorn, na Escócia, onde nasceram essas danças.
Voltaram encantados com o princípio da colaboração participativa, mas queriam a privacidade do próprio lar. Foi quando conheceram as ideias de Durrentt e passaram a chamar pessoas próximas para debater a possibilidade. Hoje já se sentem uma família, mesmo sem o vínculo da consanguinidade. Ajudam-se em necessidades do dia a dia, se possível. Falta apenas se mudarem.
“Ao contrário de um condomínio tradicional, que tende a levar as pessoas ao isolamento, o projeto arquitetônico da cohousing contribui para as pessoas estarem mais próximas”, diz Oliveira. Além da Casa Comum, que é o coração dos encontros, a maquete da Bem Viver tem o Galpão Branco, com piscina coberta, lavanderia coletiva e uma pequena sala para terapia corporal, a Casa Caipira, que funcionará como um ateliê de artes para cerâmica, pintura, bordado e outras habilidades que muitos querem ensinar e aprender, e o Espaço Maker, para quem deseja trabalhar com marcenaria.
O terreno em Mogi das Cruzes escolhido pelo grupo tem 61 mil metros quadrados, dos quais 25 mil reservados para a construção das casas e o restante imexível, porque pertence a uma área de proteção ambiental. Ainda assim, fica numa área urbana, com boa oferta de médicos, hospitais, supermercados e faculdades. A localização da cidade também pareceu estratégica: Mogi das Cruzes está a 67 quilômetros de São Paulo e a 50 quilômetros do litoral de Bertioga e ainda conta com uma linha de trem que conecta o município à capital do Estado.
“As pessoas não queriam se afastar totalmente de São Paulo porque têm família e profissionais de saúde de confiança na metrópole e porque São Paulo é um megacentro cultural”, afirma Oliveira. “É um grande centro urbano com o qual a gente vive no amor e no ódio, mas nessa hora o amor fala, e a gente quer continuar conectado ao amor.”
Tendência mundial
A aquisição das unidades está azeitada no que diz respeito à criação já consolidada da associação e da oferta de cotas. Até uma construtora de São Paulo foi contratada. O que ainda amarga o processo é a burocracia. “Estamos num momento delicado porque o projeto está aprovado, mas dependemos da liberação do alvará de construção por parte da prefeitura de Mogi, que ainda não aconteceu”, lamenta Oliveira.
A título de comparação, na Dinamarca, que já construiu 7 mil casas de cohousing para idosos e está se preparando para milhares mais, o sistema está tão bem estabelecido que Copenhague, a capital, está priorizando um novo zoneamento que permita integrar essas moradas compartilhadas em edifícios já existentes.
Para Renata Marinho, diretora adjunta da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), algumas barreiras oficiais devem acontecer no Brasil pelo fato de a cohounsing ser uma iniciativa ainda incipiente, mas na qual ela aposta boas fichas porque revela o pensamento de se programar para um envelhecimento com qualidade, rede de apoio, suporte e convivência com colegas que se dão bem.
“É um modelo interessante para pessoas idosas que possuem boas condições físicas, cognitivas e emocionais que lhes permitam se manterem ativas na comunidade ou para aquelas com pequenas dependências que possam ser gerenciadas com auxílio mútuo”, diz ela.
O que já ganhou corpo foi o espírito de convivência, que começou entre docentes da universidade e se estendeu a funcionários e pessoas de fora da Unicamp interessados em compartilhar a iniciativa.
A turma atravessou a pandemia e continua estreitamente vinculada por meio de reuniões virtuais e presenciais. “Somos animais sociais, mas a estrutura da sociedade moderna nos levou a um individualismo doentio”, afirma.
Denise enfatiza que é preciso reaprender a viver coletivamente, a discutir, a chegar a consensos, pois não dá para sonhar com a proteção do coletivo sem considerar as demandas que o coletivo nos coloca. Preconceitos também não podem ter vez, seja qual for a geração. Segundo ela, o etarismo persiste inclusive entre as pessoas mais velhas, pois muitas delas acreditam que não há jovialidade em idosos se rodearem de idosos. “Na verdade, o problema é ficar isolado, porque, no isolamento, a água da vida não flui”, conclui.
Foto: Divulgação
Jornalista, natural de Belterra, oeste do Pará, com 48 anos de profissão e passagens pelos jornais A Província do Pará, Diário do Pará e O Liberal.
Comentários
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